sexta-feira, 20 de março de 2009

O casamento

A cadeira estava posta no meio da sala escura, esperando por ele. Ao redor tantas lembranças... Objetos deixados a esmo debochavam dele. Obrigavam sua mentem a recordar de momentos que não queria mais lembrar. Passou pelo armário, as portas abertas deixavam à vista aquele vestido que ela gostava de usar em ocasiões especiais. Tremendo, passou a vista pela escrivaninha e encontrou as cartas que já tinha decorado cada linha. Uma lágrima escorreu... Foi à cadeira e pegou o moletom que ela usava para dormir nas noites de frio. Cheirou. E com o perfume veio a dor. Olhou pela fresta da janela, por onde passava o único feixe de luz que iluminava o local. Perdeu-se, no último banho de chuva que tomaram juntos. Ela sorridente correndo de um lado pro outro, fugindo dos abraços molhados de seu melhor amigo. Até que ele a alcançou. Ela o fez prometer que seriam amigos para sempre... A dor voltou novamente. Inclinou a cabeça um pouco para a esquerda e achou a churrasqueira, onde varias vezes se reuniu com os amigos. E ela sempre olhando para outro rosto, para outros olhos. Nunca o seu. Ele odiava aquele olhar. O olhar que deveria ser seu. O mesmo olhar que ele sempre deu para ela nos últimos 15 anos, e nunca fora percebido. Afastou-se da janela, jogando seu corpo de volta para as trevas que ele mesmo havia criado. Lembrou-se do conselho que tinha ouvido da sua irmã. “Vá para Londres. Aqui não tem nada para você. Ela nunca será aquilo que você quer que ela seja.” Mas não, ele não foi. E recusou todas as outras oportunidades que lhe foram oferecidas, sempre na esperança de que aquele olhar lhe fosse ofertado de bom grado. Dirigiu-se até a cadeira, pegou seu paletó preto, vasculhou o bolso esquerdo. Tirou o convite que lhe fora entregue pessoalmente a 2 meses atrás. Leu. Mas a única palavra que conseguiu assimilar foi casamento. Por trás do convite, no mesmo envelope, puxou a carta que acompanhava. “Obrigada por ter aceitado ser meu padrinho. Você não sabe o quanto isso significa para mim. Assinado: Sua eterna amiga”. Nessa hora o 38 prateado pesou em sua mão esquerda, lembrando do compromisso que havia assumido para si mesmo naquela manhã antes de sair da sua casa e ir para casa dela. Guardou o envelope no mesmo bolso esquerdo de onde ele havia saído. Sentou na cadeira, afrouxou um pouco a gravata, respirou fundo, abriu o tambor da arma reluzente, conferiu a munição. Um estampido ecoou pelo quarto. O sangue quente escorria pelo chão, criando um quadro macabro. Do lado do seu corpo sem vida, a arma brilhava. E ao mesmo tempo, em outro lugar os olhos dela brilharam exatamente do mesmo jeito. Quando ela disse sim no altar.

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